Com o universo musical se movimentando, o cassino logo virou grande cenário onde surgiram muitas estrelas no Brasil. Certamente, dentre outros, em torno ao cassino logo chegaram artistas do nível de Dorival Caymmi, Garoto e João Gilberto. Neste artigo vamos fazer uma homenagem para uma das figuras mais destacadas dessa turma de músicos iluminados.
Na época, na década de 1940, junto com o sucesso dos cassinos veio também o nascimento de várias estrelas. A era dos cassinos, coincidiu com a Era Varguista. Também, com a Segunda Guerra Mundial e uma crise econômica que, em contraste, gerou grandes artistas brasileiros.
O mundo do Cassino logo de muitas mudanças
São muitos, de fato os anos que têm passado desde 1930 até hoje. São muitos mais, os encontros, os sorrisos, as tristezas, os desafios, e as pessoas que têm se encontrado desde lá até aqui. O Brasil já atravessou épocas muito escuras em relação à liberdade, aos direitos, as conquistas de igualdade. Em proporção, também tem ganho muito.
Muita consciência, muita diversidade, muitas transformações, que se formos parar um pouco para pensar nelas, eram impensáveis só 20 anos atrás. A década de 1930 foi uma década bem complexa, época onde guerras, crises, troca de sistemas mundiais com monarquias e impérios ainda muito recentemente desabados. Longe de imaginar que teríamos cassinos online. No momento, o mais parecido com a internet eram, talvez, histórias de Asimov e Ray Bradbury.
Certamente, conflitos que segundo os orientais, eles vêm com toda crise, cheios de oportunidades para crescimentos. Para a evolução. Afinal, a história do próprio ser humano está construída sobre elipses que mudam seus cursos e principalmente, a suas orientações, abrindo caminhos.
De fato, a história dos cassinos no Brasil surge quando ainda o nosso Brasil, não era nosso. Isto é, na era imperial, muito antes da Era Varguista, onde houveram muitos pontos em comum dentre uma e a outra. Assim, o Brasil está habituado às mudanças e as crises. Quando acontecem, também liberam comportamentos. Um bom exemplo de crise após a proibição dos cassinos, para visualizar o clima é a série Coisa Mais Linda.
Dorival Caymmi e os cassinos
A carreira de Dorival começou participando em blocos que logo se apresentaram em diferentes concursos de estações de rádio da época. Assim, lá em 1936 Dorival Caymmi inscreveu-se no recém lançado concurso de marchas carnavalescas das Rádios Sociedade e Comercial. Consequentemente, obteve o primeiro e terceiro lugar com as músicas A Bahia também dá e Lucila.
Quem quisesse ter sucesso na época, devia compor e interpretar as suas próprias canções, pois a indústria não havia evoluído o suficiente para gravar distintas pistas e mixa-las. Assim, esse fato, que criava duplos desafios para os artistas, também pagou bem a armadilha que rendeu maravilhosos frutos para Caymmi. Durante as suas apresentações no Cassino da Urca, um dos diferencias que o catapultou junto com Carmen Miranda. O fato de Caymmi compor e cantar suas próprias canções foi lhe abrindo o caminho. Assim, o Copacabana Palace também formou parte de várias das suas apresentações.
Assinou contrato com a mesma emissora de Carmen, compartilhando microfone. Após, viriam tournées entre São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador da Bahia. Percorrendo tanto o Brasil quanto cenários dos Estados Unidos e a França. Conheceu Stella-Maris em uma estação de rádio onde ela, maravilhosa, o hipnotizou com a voz também, pois era contratada como cantora. Os filhos foram chegando enquanto a carreira de Dorival crescia e a família se fortalecia. Acompanhando Dorival no caminho, os filhos foram bebendo música, respirando diversas culturas, desde o terreiro, até as histórias do tio Amado. Assim, um entorno cheio de cultura e diversidade, à beça.
Dorival Caymmi, cassinos e Jorge Amado
Segundo o site Red Brasil Atual, nas suas primeiras andanças pelo Rio – instalou-se em uma pensão no centro – ajudaram a completar músicas iniciadas na Bahia, como O Mar, A Lenda do Abaeté e aquela que o tornaria famoso, O que é que a Baiana tem? pela voz, mãos e gestual de Carmen Miranda.
Parênteses curiosos
A música apareceu no filme Banana da Terra, de 1939. Foi a primeira vez que a Pequena Notável surgiu vestida de baiana, em uma escassa imagem que sobreviveu ao tempo. E não era para aparecer, já que a canção escolhida seria Na Baixa do Sapateiro, de Ary Barroso – não entrou porque houve desacordo quanto a valores. Ary bufou, atacou Caymmi e pediu desculpas tempos depois. Em 1958, curiosamente, foi lançado o disco Ary Caymmi/Dorival Barroso: um interpreta o outro, com os dois na capa como se fossem pescadores.
Aliás, Dorival Caymmi, sempre apaixonado pelo mar, cantando, vivendo e respirando território de Iemanjá, sabia e não sabia nadar. Como assim? Mergulhava na temática, nas pinturas, no sal, nas melodias inspiradas no mundo neptuniano. E Dorival não dava braçada. Mesmo assim, nem precisou. Era filho do mar que honrou a deusa do mar, em cada passo dado.
Dorival Caymmi foi solicitado de cantar para o então presidente Dutra, só que o horário do show foi marcado para as 7:00am. O cantor, sempre achegado ao bom descanso, ganhou do presidente. Se bem, esteve no lugar indicado pelo mandatário, pediu para espichar o horário da apresentação. Com alguns whiskies para encarar o dia de outra forma. O show começou as 15:00hs da tarde, segundo o próprio Dorival contou no talk-show do Jô Soares, em 1997.
Dorival e Jorge
Segundo Stella Caymmi, neta do cantor e compositor, nenhum dos dois lembrava como foi o primeiro encontro. Assim, a primeira troca de palavras dentre eles, não tem registros exatos. Embora tudo o que veio desde esse ponto no tempo, dentre os dois, sim. Jorge Amado era Diretor em Chefe de Diretrizes e Dom Casmurro onde colaborava de vez em quando, Carlos Lacerda.
Aliás, lembram sim de uma das primeiras conversas em um trajeto muito especial, desde Belas Artes até Nice, no Rio de Janeiro. Essa caminhada foi em 1936, há pouco da chegada de Dorival na cidade carioca. Se bem Dorival foi e voltou várias vezes ao Rio, dessa vez tinha optado por permanecer.
Certamente, nem Lacerda, nem Jorge Amado nem Dorival coincidiam politicamente. Mesmo assim, aconteceu um encontro dentre os três em 1938. Assim, a reunião no sitio de Lacerda a que trouxe uma das canções mais famosas de Dorival Caymmi, Beijos pela noite, gravada em 1944 por Danilo e Simone.
A letra surgiu dentre Amado e Lacerda e quem musicou foi Caymmi. Assim, O teu corpo nos meus braços/ Nossos passos pela estrada vieram de Jorge Amado enquanto Lacerda somou A chuva apaga a marca dos teus passos/ No caminho abandonado.
A amizade, a música e uma vida juntos
A partir dessa noite, além da política, Amado e Caymmi seguiram a estrada juntos, compondo, compartilhando e até crescendo juntos. As canções Modinha para Teresa Batista, Canto de Obá e É doce morrer no mar serão sempre doces testemunhas do pacto dentre o escritor e o músico.
Assim, no seu livro de memórias (De Banda pra Lua, 1982, ISBN 82-0858), o produtor, cantor e músico Aloysio de Oliveira, pai de Aquarela do Brasil, diz:
Dorival Caymmi colocou-se no epicentro da travessia de uma canção de extração folclórica que ele tão bem lapidou para o sincopado buliçoso das ruas com ecos de samba de roda e o samba-canção já urbanizado, modernista, pré-bossa nova.
Assim, os dois mestres, tinham em comum três questões viscerais nas suas vidas, o amor perla Bahia, os orixás e a amizade eterna.
No Axé de Opô-Afonjá, candomblé de Mãe Ondina, os três foram feitos obás de Xangô, Jorge Amado e Carybé primeiro, Dorival Caymmi depois, segundo o site O globo.
Segundo o próprio Jorge Amado, de acordo ao mesmo artigo: Os orixás da Bahia possuem seus favoritos, para eles reservam o dom da criação e a grandeza. Assim aconteceu com o moço Dorival Caymmi. Os orixás cumularam de talento e dignidade esse filho da grande mistura de raças que nas terras brasileiras se processou e se processa, criando uma cultura e uma civilização mestiças que são a nossa contribuição ao tesouro do humanismo.
Uma carta de Caymmi para Amado
O filho da deusa do mar, escreveu para Jorge. Foram momentos em que Jorge, assim como vários músicos brasileiros, morava em Londres, Inglaterra em 1976.
Jorge meu irmão, são onze e trinta da manhã e terminei de compor uma linda canção para Yemanjá, pois o reflexo do sol desenha seu manto em nosso mar, aqui na Pedra da Sereia. Quantas canções compus para Janaína, nem eu mesmo sei, é minha mãe, dela nasci. Talvez Stela saiba, ela sabe tudo, que mulher, duas iguais não existem, que foi que eu fiz de bom para merecê-la? Ela te manda um beijo, outro para Zélia e eu morro de saudade de vocês. Quando vierem, me tragam um pano africano para eu fazer uma túnica e ficar irresistível.
Ontem saí com Carybé, fomos buscar Camafeu na Rampa do Mercado, andamos por aí trocando pernas, sentindo os cheiros, tantos, um perfume de vida ao sol, vendo as cores, só de azuis contamos mais de quinze e havia um ocre na parede de uma casa, nem te digo. Então ao voltar, pintei um quadro, tão bonito, irmão, de causar inveja a Graciano. De inveja, Carybé quase morreu e Jenner, imagine! Se fartou de elogiar, te juro. Um quadro simples: uma baiana, o tabuleiro com abarás e acarajés e gente em volta.
Se eu tivesse tempo, ia ser pintor, ganhava uma fortuna. O que me falta é tempo para pintar, compor vou compondo devagar e sempre, tu sabes como é, música com pressa é aquela droga que tem às pampas sobrando por aí. O tempo que tenho mal chega para viver: visitar Dona Menininha, saudar Xangô, conversar com Mirabeau, me aconselhar com Celestino sobre como investir o dinheiro que não tenho e nunca terei, graças a Deus, ouvir Carybé mentir, andar nas ruas, olhar o mar, não fazer nada e tantas outras obrigações que me ocupam o dia inteiro. Cadê tempo pra pintar?
Quero te dizer uma coisa que já te disse uma vez, há mais de vinte anos quando te deu de viver na Europa e nunca mais voltavas: a Bahia está viva, ainda lá, cada dia mais bonita, o firmamento azul, esse mar tão verde e o povaréu. Por falar nisso, Stela de Oxóssi é a nova iyalorixá do Axé e, na festa da consagração, ikedes e iaôs, todos na roça perguntavam onde anda Obá Arolu que não veio ver sua irmã subir ao trono de rainha?
Pois ontem, às quatro da tarde, um pouco mais ou menos, saí com Carybé e Camafeu a te procurar e não te encontrando, indagamos: que faz ele que não está aqui se aqui é seu lugar? A lua de Londres, já dizia um poeta lusitano que li numa antologia de meu tempo de menino, é merencória. A daqui é aquela lua. Por que foi ele para a Inglaterra? Não é inglês, nem nada, que faz em Londres? Um bom filho-da-puta é o que ele é, nosso irmãozinho.
Sabes que vendi a casa da Pedra da Sereia? Pois vendi. Fizeram um edifício medonho bem em cima dela e anunciaram nos jornais: venha ser vizinho de Dorival Caymmi. Então fiquei retado e vendi a casa, comprei um apartamento na Pituba, vou ser vizinho de James e de João Ubaldo, daquelas duas línguas viperinas, veja que irresponsabilidade a minha.
Mas hoje, antes de me mudar, fiz essa canção para Yemanjá que fala em peixe e em vento, em saveiro e no mestre do saveiro, no mar da Bahia. Nunca soube falar de outras coisas. Dessas e de mulher. Dora, Marina, Adalgisa, Anália, Rosa morena, como vais Morena Rosa, quantas outras e todas, como sabes, são a minha Stela com quem um dia me casei te tendo de padrinho. A bênção, meu padrinho, Oxóssi te proteja nessas inglaterras, um beijo para Zélia, não esqueçam de trazer meu pano africano, volte logo, tua casa é aqui e eu sou teu irmão Caymmi.
Concluindo
Certamente, cassinos, música e talento juntos também geram magia. Comente e acompanhe mais novidades e artigos!